06/03/2009

A Reconstituição das Coisas

Ato contra editorial da Folha ditabranda
"(....) ESquINAS Houve censura às obras de arte no período
da ditadura?
OLÍVIO
Mais do que censura. Em 1968, na data da inau-
guração da II Bienal de Arte da Bahia, em dezembro da-
quele ano, houve o fechamento da exposição e a destrui-
ção de obras. No caso das artes plásticas, isso é censura
máxima. Os militares tinham acabado de baixar o AI-5 e
já estavam trogloditas. Siron Franco, um artista conhecido
conta que duas obras dele foram destruídas pela
repressão. Salvou uma, que paradoxalmente recebeu
prêmio de aquisição. Então, é muito engraçado, a polícia
vai lá e destrói duas, e a que se salva o júri dá prêmio.
É até de propósito, porque o júri não estava a serviço
do governo. Essa intervenção na Bienal da Bahia foi a
primeira intervenção militar e armada contra as artes
plásticas no Brasil. A censura, mesmo depois de 1964,
nunca tinha sido uma censura armada. Quer dizer, a pri-
meira coisa que eles censuravam era teatro e cinema,
porque são artes mais sociais.

ESquINAS E essa censura máxima repercutiu em al-
gum protesto dos artistas?

OLÍVIO
Em 1968, junto com o AI-5 e o fechamento da
Bienal da Bahia, [o artista] Antonio Henrique Amaral co-
meçou a fazer [quadros de] bananas. As primeiras ba-
nanas não faziam nenhuma alusão a questões políticas.
Mas tinham obviamente ligação a questão nacional. Ele
não era um artista hiperrealista, não queria mostrar o
virtuosismo dele pintando bananas. Ele pintava bana-
nas como metáfora das repúblicas da América Central
e Costa Andina que eram chamadas de Repúblicas das
Bananas, porque a fruta era o principal produto de ex-
portação. Não era o povo que era banana.

ESquINAS Os ateliês foram se transformarando num
espaço de contestação política?

OLÍVIO
Sim, mas não só os ateliês. Teve um momento de
contestação política muito importante nas artes plásti-
cas nesse período em que os militares foram mais tru-
culentos. Em 1970, aconteceu em Belo Horizonte, uma
manifestação de vanguarda, chamada Do Corpo à Terra.
Participaram dela alguns artistas muito jovens, como o
Cildo Meirelles e o Artur Alípio Barros. O Cildo estava
com 22 anos na época. Ele armou uma estaca, chamada
de Tiradentes: Totem-Monumento, nela amarrou vinte
galinhas e ateou fogo diante de uma platéia assusta-
da. Imagine o impacto que isso foi, o cheiro dos bichos
chamuscados, o barulho das galinhas, era perturbador,
insuportável. E o Barrio atirou no maior rio da cidade
umas trouxas de roupa branca pintadas de vermelho
por fora, contendo ossos e carne. O aspecto era de um
corpo ensanguentado largado na margem do rio. Não
eram telas pregadas na parede, eram ações, por isso só
ficou o registro fotográfico. Mas mesmo assim foi uma
reação ao Estado paramilitar, que torturava e matava.

ESquINAS O governo não censurava essas obras?

O que o governo fazia era barrar as obras mais críticas
de participarem de exposições internacionanais. (...)"


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