15/10/2011

Os militantes do "Ocupe Wall Street"



Como é o dia a dia dos acampados no coração do capitalismo mundial Sem um objetivo comum, professores, advogados, desempregados, moradores de rua e muitos jovens estudantes protestam solidariamente no "Ocupe Wall Street"

Carolina Cimenti, especial para o iG, de Nova York

O movimento Ocupe Wall Street, na sua quarta semana de vida, continua recebendo uma crescente atenção da imprensa em todo o mundo e novos apoiadores todos os dias – gente que aceita enfrentar a chuva e o início do frio em Nova York para dormir no chão e engrossar as manifestações iniciadas no dia 17 de setembro. Mas talvez mais surpreendente que tudo isso seja o sucesso financeiro do movimento. Os manifestantes afirmam que já arrecadaram mais US$ 180 mil em dinheiro, além de centenas de milhares de dólares em alimentos, roupas, livros e cobertas.




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A ocupação ao sul de Manhattan, no bairro onde estão a maior parte dos bancos e a Bolsa de Valores de Nova York, conta com pelo menos 300 “residentes”. “Quem pode estar aqui, está aqui. Mas milhares de pessoas que gostariam de estar aqui e não podem, porque não podem deixar seus empregos ou têm de cuidar da família, contribuem de outras formas”, explica Jerry Bartz, de 25 anos. Essas pessoas contribuem nas formas mais variadas. Algumas mandam entregar pizzas no local do acampamento. Outras fazem doações através da conta que os manifestantes abriram. Outras ainda, levam dinheiro em baldes e sacos até o acampamento.

Enquanto estávamos entrevistando Bartz, uma senhora de cerca de 60 anos apoiou um balde branco coberto com papel laminado na mesa da “cozinha” do acampamento. “Tome cuidado com esse balde, pois tem mais de mil dólares aqui dentro”, ela disse, antes de sair rapidamente. Bartz tentou anotar o nome da mulher, mas ela não quis ser identificada. Ao abrir a doação, o garoto se deparou com centenas de notas de US$ 5 e dezenas de notas US$ 50. “Cada um faz o que pode, o importante é não desistirmos”, disse ele sorrindo.

 Foto: Carolina Cimenti/especial para o iG
Balde de doações é deixado em acampamento por senhora que não quis se identificar

A ocupação de Wall Street, ou o acampamento da praça da Liberdade, como os manifestantes gostam de chamá-la, parece um formigueiro: dezenas de turistas, jornalistas e fotógrafos circulam e conversam com os manifestantes o tempo todo. O local fica lotado o dia inteiro, mas mesmo assim é possível ver que existe certa ordem: no meio da praça, está a cantina aberta, com apetrechos de cozinha, uma pia improvisada onde as bandejas são lavadas e muitos alimentos (sanduiches, pizzas, saladas, muffins, frutas e tudo mais que é doado). Tudo é gratuito e qualquer um que passar por ali pode comer, inclusive os jornalistas.

Em um dos cantos da praça, está a biblioteca do acampamento, com milhares de livros e DVDs doados (nesses dias, eles estão cobertos por causa da chuva, mas normalmente ficam ao ar livre para quem quiser ler). Também há uma unidade de saúde, com médicos voluntários; a área de reciclagem do lixo; a área dos achados e perdidos; e a mesa dos assessores de imprensa. Além disso, várias mesas abrigam discussões variadas nos diversos grupos de trabalhos.

Entre os cerca de 300 acampados, a grande maioria é composta por jovens estudantes que decidiram abandonar a universidade por um semestre ou até mesmo um ano para protestar. Professores universitários, artistas, sindicalistas, pobres desabrigados, profissionais desempregados e até mesmo alguns doentes mentais moradores de rua completam a ocupação. Eles são muitos e muito diversos, e cada um parece ter um motivo diferente para estar ali.

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“Eu vim por causa do amor”, disse Fred Pentozzi, de 21 anos. Como assim por causa do amor?. “Eu acho maravilhoso que este movimento não tem uma classificação, cada um está aqui porque quer, cada um é como é, e todos são aceitos. É uma ferramenta de compaixão, existe amor, independente de quem você é. O mundo deveria ser todo assim”, explicou. Pentozzi estava viajando pelos Estados Unidos, quando ouviu falar do “Ocupe Wall Street”. Ele não teve dúvidas, pegou o primeiro trem e desceu em Nova York por tempo indeterminado. “Cheguei faz dez dias e não tenho prazo para ir embora”, disse. E se chover? “Vou me cobrir”. E quando nevar? “Vou vestir mais roupas. Simples assim”, afirmou. Desde que chegou, o garoto tomou banho duas vezes, a primeira, na casa de uma manifestante que mora em Nova York. A segunda, em um banheiro público. “Você pode imaginar a ginástica para tomar banho de pia, né?”, brincou.

Fred Pentozzi, 21 anos: "vim por amor. Cada um está aqui porque quer, cada um é como é, e todos são aceitos." - Foto: Carolina Cimenti/especial para o iG1/13http://economia.ig.com.br/criseeconomica/como-e-o-dia-a-dia-dos-acampados-no-coracao-do-capitalismo-mundial/n1597278421293.html
Os milhares de dólares em doações também ajudam a atrair manifestantes. Justin M., de 21 anos, e Kyle J., de 22, dizem que estão melhores aqui do em casa. “Aqui nós temos comida de graça, roupas de graça, cigarros de graça, um lugar para dormir e muita gente interessante para conversar”, explica Justin, enrolando calmamente um cigarro artesanal. Ele é de New Jersey, Estado vizinho de Nova York, e Kyle mora no Queens, bairro nova-iorquino. Os dois se conheceram no acampamento dez dias atrás, e viraram melhores amigos. “Nós montamos a nossa barraca juntos e nos entendemos muito bem”, diz Kyle. Eles também dividem a barraca improvisada com suas namoradas, que conheceram no acampamento, e com um jovem pedreiro que trabalha na construção de um arranha-céu ao lado da praça.

“Meus pais às vezes ligam e me dizem para procurar um emprego”, diz Justin, que prefere não fazer faculdade porque diz que em Nova York o que conta é conhecer as pessoas certas, não o diploma. “Eu respondo que estou procurando... E estou mesmo! Só que é muito difícil, então eu vou ficando aqui”. Kyle é estudante de filosofia e psicologia, mas pretende se formar somente aos 30 anos. “Eu ainda tenho 8 anos pela frente, e nesse momento acho que estar aqui é mais importante que tudo”, afirma, antes de acender o cigarro recém-enrolado. Os dois me convidam: “quer vir dormir aqui na nossa barraca? É muito divertido. Querendo, é só aparecer!” Nego o convite educadamente.

Logo ao lado da barraca de Justin e Kyle, o clima é menos de festa e mais profissional. Janos Marton é um advogado de 29 anos que trabalha em um escritório, mas pediu toda a semana de folga para passar mais tempo no acampamento. Ele é um dos 8 responsáveis pelo Grupo de Trabalho de Assuntos Legais do “Ocupe Wall Street”. Além de ajudar a soltar os manifestantes que são presos a cada passeata

Foto: Carolina Cimenti/especial para o iG Ampliar
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, Janos está ali para discutir que tipos de lei podem ajudar a criar um mundo mais justo. “Vários manifestantes que foram presos receberam cartas da justiça convocando-os para uma audiência, mas eles nem sabem do que se trata. A gente ajuda a explicar e a representá-los quando é necessário”, explica.
Dez passos mais para o lado, dezenas de pessoas estão meditando, mesmo com o barulho avassalador dos membros de um sindicato a poucos metros de distância. “Eu moro em Nova York e prefiro dormir em casa, mas tento passar pelo menos algumas horas do dia aqui com o pessoal acampado, e daí aproveito para fazer algumas atividades, como ioga e meditação”, diz Joanna Harris, que trabalha como freelancer para uma agência de publicidade.

Joanna segue as aulas de ioga de Martin, um instrutor que vai pelo menos duas vezes por semana ao acampamento com vários colchonetes. Ele chega de mansinho e começa a praticar, em questão de minutos várias pessoas começam a imitar seus movimentos. “O espaço é limitado, mas é o que eu sinto que posso fazer para o movimento”, explica o instrutor.

Nem tudo no movimento é simples, porém. Um senhor de cabelos brancos que não quis se identificar, mas que frequenta o acampamento quase todos os dias, defende práticas nazistas e critica abertamente a sociedade judaica. Ele diz, por exemplo, que o holocausto nunca existiu. Alguns membros do “Ocupe Wall Street” não se sentem confortáveis com este senhor, mas como o movimento é 100% aberto para todos que querem participar, os manifestantes não conseguem evitá-lo.

“Amar nem sempre é fácil”, disse Pentozzi. “Às vezes temos que respeitar o que não amamos para podermos ser respeitados”, concluiu.

Assista ao vídeo dos manifestantes:

http://tvig.ig.com.br/id/8a49800e328bbff00132f4a2160109a8.html

FONTE: http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/os-militantes-do-ocupe-wall-street

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