01/07/2013

Ida ao Desdobramento da "Primavera Brasileira" - 1/70 (Perto)

Fiquem de olho no dinheiro ou: Fiquem de olho na OTAN
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por Heloisa Villela, de Nova York, especial para o Viomundo
Olho no dinheiro. Em síntese, esse é o conselho de quem conhece de perto décadas de truques e artimanhas usados pela CIA e por outras organizações do governo estadunidense para virar o jogo político alheio.
William Blum, mais conhecido como Bill, é norte-americano e anti-imperialista convicto, graças à guerra do Vietnã.
Foi quando ele se tornou funcionário do Departamento de Estado, durante a guerra, que teve um choque de consciência. O que já era uma convicção se tornou conhecimento ainda mais profundo quando acompanhou, no Chile, o golpe de estado orquestrado pela CIA contra o governo de Salvador Allende, em 1973.


Por enquanto, não há qualquer indício de ação externa nas manifestações brasileiras, embora — estranhamente — brasileiros tenham tomado a iniciativa de denunciar o Brasil, em vídeo, no Exterior.
Porém, momentos de instabilidade política — como os enfrentados agora pelos governos da Turquia e do Brasil — prenunciam mudanças e atores externos muitas vezes se aproveitam da conjuntura para enfiar sua colher. Por isso, fomos ouvir Blum.
Escritor, historiador e crítico contumaz da política externa dos Estados Unidos, Bill Blum não usa meias palavras para descrever a atuação da superpotência.
No livro Killing Hope: U.S. Military and CIA Intervention since World War II, ele faz um relato detalhado da intervenção estadunidense em vários países. Blum dedica um capítulo a cada nação, começando com a China. Depois de percorrer todos os continentes, ele termina, no capítulo 55, com o Haiti. Passa, claro, pelo golpe militar no Brasil e pelos similares na vizinhança.
Blum se encaixa na longa lista de “dissidentes” do império, que inclui do ex-agente da CIA Philip Agee ao soldado Bradley Manning e, mais recentemente, o ex-funcionário terceirizado da CIA Edward Snowden, que vazou dados sobre os programas de espionagem em massa do governo de Barack Obama.
Por conta de ter denunciado o poder, Blum vive uma espécie de “exílio branco”: seus livros nunca são resenhados e suas ideias nunca são reproduzidas na mídia local. A não ser em circunstâncias extraordinárias: em 2006, num audio tape, Osama bin Laden citou um dos livros de Blum, Rogue State, e o autor foi parar na capa do Washington Post.
No trecho do livro mencionado por Osama, Blum descreve o que faria para acabar com os ataques terroristas se fosse eleito presidente dos Estados Unidos:
“Primeiro eu pediria desculpas — publica e sinceramente — a todas as viúvas e órfãos, os empobrecidos e torturados e todas as milhões de vítimas do imperialismo norte-americano. Depois eu anunciaria que todas as intervenções globais dos Estados Unidos — inclusive os terríveis bombardeios — teriam fim. E informaria Israel que o país deixaria de ser tratado como um estado da União, mas — estranhamente — como um país estrangeiro. Depois eu reduziria o orçamento militar em pelo menos 90% e usaria o dinheiro para pagar reparações às vítimas e reconstruir os danos das invasões e bombardeios norte-americanos. O dinheiro seria suficiente. Sabe qual é o orçamento militar de um ano dos Estados Unidos? É mais que 20 mil dólares por hora para cada hora desde que Jesus Cristo nasceu. Isso é o que faria em meus primeiros três dias na Casa Branca. No quarto dia, eu seria assassinado”.
Aos 70 anos de idade, Blum continua muito ativo. Agora, toca o site www.williamblum.org.
Na entrevista, ele disse que não sabe se organizações norte-americanas (National Endowment for DemocracyFreedom House e semelhantes) tiveram algum contato com manifestantes no Brasil. Mas acha importante que os brasileiros fiquem atentos. Ao se depararem com um grupo, um site, uma organização nova, tentem descobrir quem está financiando o grupo.
Só assim, seguindo a trilha do dinheiro, é possível descobrir quem está por trás de certas palavras de ordem e campanhas.
No caso das organizações dos Estados Unidos, o objetivo segundo Blum é sempre o mesmo, há décadas. Garantir, no poder, representantes fiéis aos interesses econômicos de Washington. A ideologia pouco importa. Contanto que o mercado, e as mercadorias, continuem circulando na direção certa. “Os Estados Unidos não estão nada preocupados com liberdade e democracia e sim com a dominação do mundo. Esta é a política externa dos Estados Unidos”.
William Blum é autor de vários livros sobre a política externa dos Estados Unidos e suas consequências. Antenado nas movimentações e protestos em diferentes países do mundo, ele nos deu a seguinte entrevista:
Viomundo – Sobre os protestos no Brasil e na Turquia, o senhor vê alguma dessas organizações – National Endowment for Democracy (NED), United States Agency for International Development (USAID) ou Freedom House – tentando participar, direcionar o movimento político?
BB – Não sei quão ativas essas organizações são no Brasil. Mas parto do princípio de que são porque todas elas são a mesma coisa. Todas seguem o exemplo da National Endowment for Democracy, que foi criado claramente para ser uma fachada da CIA. E esse é o papel que vem desempenhando nos últimos 25 anos, mais ou menos. Estão no mundo inteiro. E têm vários braços, como o National Democratic Institute e oInternational Republic Institute, que são todos parte do NED, criado nos anos 80 para fazer, abertamente, o que a CIA estava fazendo secretamente. O NED é simplesmente uma organização de fachada para a CIA. Mas não sei quão ativos eles são hoje no Brasil. Não estou acompanhando de perto.
Viomundo – Então, me permita reformular a pergunta. Se o senhor fosse brasileiro, sabendo tudo que sabe a respeito da maneira como o império opera, em que sinais estaria de olho, agora, enquanto estão acontecendo todos esses protestos no país?
BB – Eu procuraria saber quem está pagando as contas. Quem está financiando isso ou aquilo. Que Organizações Não Governamentais estão ativas. Pode ser que surjam nomes conhecidos, ou alguns mais obscuros. Mas é preciso pesquisar para descobrir quem está financiando essas organizações mais obscuras. Pode ser que você encontre a ligação com o NED.
Viomundo – Como o senhor com certeza sabe, existe essa nova “coalizão” entre o Departamento de Estado e as grandes empresas da internet, como o Google, para desenvolver ativismo digital no mundo. Todos participando com o mesmo objetivo que, dizem, é promover a democracia.
BB – Eu escrevi sobre o homem do Google, que era do Departamento de Estado. No Google ele se encarrega, entre aspas, de promover a democracia aqui e ali. Mas para essas organizações e o NED, o que eles chamam de democracia é simplesmente capitalismo. Eles trabalham contra qualquer movimento socialista que veem, por definição, como antidemocrático. E promovem o mercado livre, que na definição deles é democracia. Então, você tem que prestar atenção no que eles dizem porque frequentemente usam os mesmos termos quando defendem a democracia.
Viomundo – Que semelhanças o senhor vê entre o que está acontecendo no Brasil e na Turquia? Com toda essa insatisfação dos jovens, que não estão vendo perspectiva? O senhor vê uma insatisfação com a vida que estamos levando hoje? Um esgotamento do modelo neoliberal?
BB – Olha, não sei qual é o grau de sofisticação dos manifestantes, desses jovens. Acho que muitos talvez tenham dificuldades de explicar contra o que são e a favor do que, apesar de terem uma boa reação intuitiva. Eles sabem que a sociedade os frustrou porque não conseguem encontrar um emprego, não lhes deu uma educação adequada pela qual possam pagar, não lhes deu um padrão de vida adequado. Eles sabem disso tudo, mas não necessariamente sabem exatamente qual é a conexão com o neoconservadorismo ou o liberalismo. Mas o instinto está lá e deveria acontecer o mesmo aqui nos Estados Unidos. Mas os jovens aqui, em sua maioria, ainda não acordaram. Com exceção do movimento Occupy que foi bom enquanto durou. Mas não chegou ao ponto de fazer demandas específicas.
Viomundo – E o movimento Occupy não conseguiu mobilizar um número grande de pessoas…
BB – O movimento Occupy foi esmagado pela polícia. Eles esmagaram um local ocupado após o outro. Prenderam mais de mil pessoas. Bateram em centenas de pessoas. Muitas tiveram sérios problemas de saúde por conta disso. Então, não é tão ruim como parece. Os jovens aqui não são tão apolíticos como se pensa. Eles têm que se recuperar do esmagamento do movimento. A polícia tomou até as bibliotecas deles e jogou os livros fora. Isso é um comportamento fascista. O governo americano hoje, na minha opinião, é um estado policial. Então, não é tão ruim como se pensa. Não sei o que vai ser preciso para que o movimento Occupy acorde novamente. Mas estou esperando por isso.
Viomundo – O senhor acha que é por conta desse estado policial que é ainda mais difícil, aqui, brigar por mudanças?
BB – A polícia no Egito ou na Turquia não foi exatamente boazinha e gentil. A polícia, no mundo todo, é  bem ruim. Mas os jovens da Turquia, do Brasil e do Egito têm sido bem mais corajosos, continuam voltando. Foram espancados, seus acampamentos esmagados, e continuam voltando. Aqui, depois que foram esmagados, no fim de 2011, ainda não voltaram. Mas estou esperando que algo aconteça.
Viomundo – E as revoluções coloridas na Georgia, na Ucrânia e na Bielorrússia, quando a participação das organizações norte-americanas foi muito bem documentada? Elas investiram uma boa quantidade de dinheiro para unir a oposição ou garantir a vitória deste ou daquele candidato. Qual foi o resultado?
BB – Se a democracia era o grande objetivo dessas revoluções coloridas, não temos muito do que falar. A Georgia é um dos muito exemplos e não é exatamente uma sociedade muito livre. E o homem que era o líder da revolução, [Mikheil] Saakashvili, não é muito bem quisto agora. Mas eles todos aprenderam, uns com os outros. As organizações norte-americanas que se envolveram, como NED e Open Society [do especulador George Soros], levaram pessoas da Iugoslávia para ensinar os manifestantes da Georgia, por exemplo, para dividir com eles a experiência a respeito de como derrubaram o governo [de Slobodan] Milosevic [na Sérvia, em 2000]. Você pode chamar a isso de conspiração internacional, o uso de um país para derrubar o sistema de outro. E isso tudo foi coordenado pela organização que mencionei, o NED, e pelo Departamento de Estado.
Viomundo – No fim, qual foi o resultado? O que os Estados Unidos ganharam?
BB – O propósito é sempre instalar governos que serão ativos confiáveis para Washington. O objetivo, certamente, não é democracia e liberdade. O objetivo é garantir que os que estão no poder sejam bons clientes de Washington. É nisso que você tem que prestar atenção em todos esses lugares. Não examine quem está mais ou menos feliz. Olhe apenas quão subserviente aos Estados Unidos ou à OTAN é o novo governo.
Mais e mais, esses governos estão entrando na OTAN. Nesse sentido, tem sido um sucesso do ponto de vista de Washington. Os Estados Unidos cercaram a Rússia de membros da OTAN. E eles ainda não terminaram. Ainda querem colocar a Georgia e a Ucrânia na OTAN. É um processo em andamento para cercar a Rússia de amigos da OTAN. E é um dos motivos pelos quais a Rússia não entrega o Edward Snowden a Washington [Snowden é o ex-funcionário terceirizado da CIA que denunciou o programa secreto dos Estados Unidos de coleta de dados telefônicos e da internet, no mundo]. Eles têm muito motivo para estarem com raiva de Washington. Parece até que a Guerra Fria não terminou.
Viomundo – Considerando a sua história, em particular, quando deixou o Departamento de Estado, o senhor revelou os nomes e endereços de 200 funcionários da CIA, em 1969. O que teria acontecido com o senhor em 69, se as coisas estivessem como estão hoje, haja visto o que está acontecendo com Bradley Manning, Julian Assange, Edward Snowden…
BB – Não tinha pensado nisso. Consegui não ser punido. A mesma coisa hoje me deixaria com problemas graves. Não sei nem se faria a mesma coisa hoje. Talvez tivesse medo. Não sei. Mas se fizesse, sofreria sérias acusações na justiça.
Viomundo – Como foi que essa mudança aconteceu no país? Ela foi gradual?
BB – A transformação dos Estados Unidos em um estado policial foi gradual, mas se acelerou com o Obama. Ele se tornou um grande adversário de várias liberdades civis. O governo dele processou mais gente responsável por vazamento de informações do que todas as administrações anteriores somadas. E ainda não parou. Agora, um general [reformado, James Cartwright] está sendo processado porque vazou informações sobre o que os Estados Unidos fizeram com o programa nuclear do Irã. Eles puseram vários vírus no sistema de computador do programa. O general pode ter sido a fonte que revelou o programa há alguns anos e agora está sendo atacado. Obama parece obcecado em barrar todo tipo de vazamento de informação.
Viomundo – O senhor acha que isso é responsabilidade do presidente Obama? Não teria acontecido no governo de outro presidente? Isso não é um processo que ocorre nos Estados Unidos, não importa quem seja o presidente ou o presidente tem condições de barrar esse processo?
BB – Ele pode barrar. Ele tem o poder. Ele tem o poder de soltar todos os presos de Guantánamo. Tem o poder de suspender todos os ataques com drones e todas as guerras. Ele não usou esse poder. Ele vai entrar para a história como o responsável por todas essas coisas. Não pode fugir dessa responsabilidade.
Viomundo – Uma vez que você tem todas essas organizações (NED, Freedom House e outras) operando no mundo, elas ganham vida própria? Ou tudo isso é bem controlado pela Casa Branca?
BB – Você não pode absolver a Casa Branca de responsabilidade porque se essas organizações não estivessem fazendo o que devem fazer, não receberiam mais dinheiro [o NED é financiado pelo Congresso dos Estados Unidos com dinheiro público]. O fato de continuarem recebendo dinheiro mostra que o trabalho delas está sendo aprovado pela administração. Então, não se pode separar o governo dessas organizações. É a trilha do dinheiro. Sempre.
PS do Viomundo: No site de William Blum é possível ler alguns capítulos dos livros dele que foram traduzidos para vários idiomas, inclusive o espanhol. Mas não ainda para o português.
Clique abaixo para ouvir, em inglês, dois trechos da entrevista:

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