03/02/2019

Tem Gente com Fome, de Solano Trindade, por Ney Matogrosso





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Nos vídeos, "Tem Gente Com Fome"  interpretados por Ney Matogrosso e Raquel Trindade
"Solano Trindade foi cidadão politizado e apontou problemas de desigualdade e injustiça na vida social brasileira. No debate da questão racial no país, tornou-se precursor. Ao longo da vida se envolveu com a poesia, as artes plásticas, o teatro e o folclore. Mas foi, sobretudo, o poeta do povo.Mas, por causa desta música, em 1944, Solano foi preso e teve o livro “Poemas de uma Vida Simples” apreendido. Além disso, em 1964, um dos seus quatro filhos, Francisco Solano, morreu numa prisão da ditadura militar. Com a arte e o artesanato que se espalhavam pelas ruas, a cidade ganhou outros contornos e deu origem ao novo nome do lugar, que passou a ser conhecido como Embu das Artes."



 TEM GENTE COM FOME (Solano Trindade)
Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Piiiiii
Estação de Caxias
de novo a dizer
de novo a correr
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Vigário Geral
Lucas
Cordovil
Brás de Pina
Penha Circular
Estação da Penha
Olaria
Ramos
Bom Sucesso
Carlos Chagas
Triagem, Mauá
trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Tantas caras tristes
querendo chegar
em algum destino
em algum lugar
Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Só nas estações
quando vai parando
lentamente começa a dizer
se tem gente com fome
dá de comer
se tem gente com fome
dá de comer
se tem gente com fome
dá de comer
Mas o freio de ar
todo autoritário
manda o trem calar
Psiuuuuuuuuuuu
Contextualização da obra
Francisco Solano Trindade (1908 – 1974) foi poeta, folclorista, pintor, ator, teatrólogo e cineasta e sua obra é de importância fundamental para nosso país. Seu talento em tantas áreas esteve sempre voltado à luta contra o racismo e ao estudo e difusão da cultura afro-brasileira.
Ajudou a organizar o I Congresso Afro Brasileiro, ocorrido em 1934 Recife e participou ativamente do seguinte em 1936, em Salvador, além de fundar a Frente Negra Pernambucana e o Centro de Cultura Afro Brasileiro, também no Recife. Na década de residiu no Rio de Janeiro e posteriormente em São Paulo, onde criou raízes e entrou para a história do Município de Embu das Artes.
Entre suas publicações mais importantes estão: Poemas de uma vida simples 1944, Rio de Janeiro, e Cantares do Meu povo 1963, São Paulo, além de uma antologia chamada Poemas Antológicos lançada em 2008 e ilustrada por sua filha Raquel Trindade. O poema apresentado“Tem gente com fome” é de seu primeiro livro (e está presente também na coletânea) e sempre despertou a ira dos dominantes. Fez com que livros fossem recolhidos na década de quarenta quando virou música, interpretada pelo grupo “Secos e Molhados” em 1975, foi proibida pela censura. Posteriormente, Ney Matogrosso a resgatou no disco “Seu tipo” em 1980.
Um de seus maiores méritos enquanto poeta foi escrever sobre os sentimentos do povo de forma simples e direta. Por onde passou, Solano incentivou e ajudou a construir inúmeras iniciativas culturais e políticas e, portanto, é possível aproximar-se bastante de seu legado. Toda a sua trajetória e produção artística merecem estudos mais aprofundados e ampla divulgação.
Temas relevantes
O poema se utiliza do trajeto que o trem realiza pelos subúrbios do Rio de Janeiro ao sair da Estação Leopoldina em direção à Estação Mauá. O que chama a atenção nesse trajeto ferroviário? A desigualdade social estampada no rosto de seus passageiras, no cenário desolador que se vê pela janela, nas precárias condições que possui o trem que carrega a força de trabalho da nossa sociedade.
Através da aliteração, o poeta dá voz a esse retrato, imprimindo ritmo aos versos através das sonoridades características do trem. Nos cinco primeiros versos o autor descreve o cenário que representa as carências da população (“tem gente com fome”) e ao citar o nome de todas as estações sinaliza para a amplitude do problema. Nos dois versos finais indica que há um clamor por justiça, que pode representar o desenvolvimento da consciência desse trabalhador explorado ao refletir sobre esse cenário (“se tem gente com fome, dá de comer”). Porém ao final do trajeto, esse desenvolvimento é interrompido pelo “freio de ar” que “todo autoritário manda o trem calar”, clara alusão a todo o aparato repressivo dominante e possivelmente a todas as formas de dominação, que não só a repressão.
A última estrofe não necessariamente sentencia o destino daqueles que vivem esta cotidianidade que parece não ter fim. O trem, sempre em movimento, voltará à Leopoldina e passará novamente pelo cenário descrito e o trabalhador em algum momento poderá fazer o trem prosseguir por novos trilhos, sem freios rumo à libertação de fato do povo explorado.
Ficha técnica
Poema: Tem gente com fome
Livro: Poemas antológicos, Nova Alexandria, 2008
Autor: Solano Trindade
Ilustrações: Raquel Trindade
"(...) Opiniões sobre a obra de Solano Trindade:
Carlos Drumond de Andrade, em carta a Solano, 02/12/1944: "A leitura dos seus versos deu-me confiança no poeta que é capaz de escrever Poema do Homem e O Canto dos Palmares. Há nesses versos uma força natural e uma voz individual, rica e ardente, que se confunde com a voz coletiva."
Roger Bastides, sociólogo e escritor francês, viveu no Brasil entre 1938-1954, autor de "A Poesia Afro-Brasileira", tradutor de "Casa Grande & Senzala" para o francês: "O senhor faz dos seus versos uma arma, um toque de clarim, que desperta as energias, levanta os corações, combate por um mundo melhor."
Darcy Ribeiro, no livro "Aos Trancos e Barrancos - Como o Brasil deu no que deu", 1985: "O Teatro Experimental do Negro funcionou como um núcleo ativo de conscientização dos negros, para assumirem orgulhosamente sua identidade e lutar contra a discriminação".(...)"
Aqui o texto na íntegra,  contendo vídeos


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