10/06/2009

Neoconcretismo x Ferreira Gullar

O neoconcretismo de Ferreira Gullar

Bianca Tinoco - Janeiro 2008

Ferreira Gullar. Experiência neoconcreta: momento-limite da arte. São Paulo: Cosac Naif, 2007. 164p.

Ferreira Gullar, no fim dos anos 50, era um poeta de poucas palavras. Obras como Noite, Lembra e Pássaro eram compostas apenas do título, incrustado ora em um encaixe de madeira, ora em uma caixa, ora em uma dobradura de papel. Mais do que o folhear de páginas, ele demandava de seus leitores o abrir e desdobrar de objetos - ou a interatividade, décadas antes da internet.

Econômico em versos, foi o autor do caudaloso “Manifesto neoconcreto”, no Suplemento Cultural do Jornal do Brasil de 22 de março de 1959, documento que inaugurou um dos momentos mais ricos da produção artística no país. Tornou-se uma espécie de profeta, adiantando conceitos incorporados por artistas como Hélio Oiticica e Lygia Clark. Mas, a partir de 1961, Gullar rejeitou suas criações da época, julgando ter chegado ao limite da arte. Enquanto artistas o citavam, ele os confrontava. Mas a maturidade suavizou tal veemência. Em Experiência neoconcreta, o poeta revê o período, quase 50 anos depois.

Uma caixa inspirada nos trabalhos visuais de Gullar traz os livros-poema Fruta, Osso e Faina, e o catálogo da I Exposição Neoconcreta, realizada no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em março de 1959, em fac-símile. O conteúdo principal da publicação é o livro em si, com o relato “Momento-limite da arte” e uma coletânea dos artigos dele que balizaram o movimento, em português e inglês. Há fotos inéditas dos poemas espaciais de Gullar — apenas quatro deles realizados em 1959, para a mostra no MAM. Oito passaram do projeto para o objeto somente há três anos, por iniciativa do Itaú Cultural, para a exposição Tudo é Brasil no Paço Imperial. Foi o trabalho sobre estes últimos que moveu Gullar a escrever as memórias daquele tempo.

A relação de amor e repúdio travada por Gullar com a arte neoconcreta começou em 1951, quando o poeta, aos 21 anos, mudou-se para o Rio e conheceu o também crítico Mário Pedrosa. Revisor e redator, conheceu na redação da revista Manchete o escultor Amílcar de Castro e o jornalista Jânio de Freitas, que o chamaram em 1956 para assumir a página de artes do Suplemento Cultural do Jornal do Brasil (SDJB), precursor dos cadernos de cultura nacionais.

O contato com Pedrosa e a abstração geométrica levaram Gullar a publicar, em 1954, A luta corporal, um sopro de novidade para a poesia brasileira, graças a seu projeto editorial e de composição. O livro chamou atenção do grupo paulista Ruptura, liderado por Waldemar Cordeiro. A proximidade deu início a uma parceria de Gullar com os paulistanos, e culminou na I Exposição Nacional de Arte Concreta, no Museu de Arte Moderna de São Paulo, em 1956.

Na passagem pelo no Museu de Arte Moderna carioca, entretanto, a exposição gerou a separação dos grupos concretistas do Rio de Janeiro e de São Paulo. Por ocasião da inauguração, Waldemar Cordeiro enviou para o SDJB o artigo “Da psicologia da composição à matemática da composição”, no qual pregava uma radicalização racionalista da experiência concreta. Discordando da posição, Gullar redigiu e publicou ao lado o artigo-resposta “Poesia concreta: experiência fenomenológica”. Assim, rompeu com o movimento e aliou-se de vez ao Grupo Frente, do Rio, formado por Pedrosa, Ivan Serpa, Hélio Oiticica, Lygia Pape, Lygia Clark, Amílcar de Castro e Frans Weissman, entre outros.

Sem regras rígidas, o Frente ofereceu a Gullar o impulso para experimentações mais ousadas. Em 1958, ele desenvolveu o Livro-poema, no qual o leitor era estimulado a vasculhar a parte de trás das páginas até formar a obra. “Nasceu, deste modo, um novo livro em que a forma das páginas é parte do poema, de sua estrutura visual e semântica, e em que o passar das páginas é condição necessária para que ele se constitua e se realize enquanto expressão”, afirma.

A experiência impulsionou Gullar a criar o Poema-objeto e o Poema enterrado — este montado no subsolo da casa de César Oiticica, pai de Hélio, e o primeiro a tomar um ambiente, em um prenúncio das instalações de Oiticica nos anos 60. Tomando a participação do espectador e a intuição artística como premissas, Gullar escreveu e seus companheiros assinaram o “Manifesto neoconcreto”, lançado durante a I Exposição Neoconcreta no MAM do Rio.

Ao “Manifesto” seguiram-se os artigos “Diálogo sobre o não-objeto” (1959), “Teoria do não-objeto” (1960), “O lugar da obra” e “O tempo e a obra” (1961), publicados à época no SDJB e agora incluídos no livro. O conceito de não-objeto foi criado por Gullar para negar a representação, defender o abandono dos suportes tradicionais de arte, requisitar o diálogo da obra com o espaço e o envolvimento físico do espectador no trabalho de arte.

Em “O tempo e a obra”, Gullar deparou-se com a idéia que o afastou do grupo carioca: a de que “a própria noção de arte deveria ser abolida, já que o não-objeto não pretende inserir-se na cultura nem quer permanecer, durar: o que dele restará será apenas a casca material já que, enquanto significação, será absorvido na elaboração e reelaboração incessante de nossas experiências sensíveis”. O crítico deu-se conta de que destampava a caixa de Pandora: na poesia, sua perspectiva era de abandono da própria palavra. Tais idéias, pressentia, levariam à destruição da arte.

Assustado, Gullar abandonou os neoconcretos: primeiro timidamente, em 1961, quando dirigiu a Fundação Cultural, em Brasília, a convite do então presidente Jânio Quadros; depois assumidamente, em 1962, quando passou a presidir o Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes. Era a confirmação de uma nova fase de sua carreira, ligada à ação política (causa do exílio de 1971 até 1977).

Em livros como Cultura posta em questão (1964) e Vanguarda e subdesenvolvimento (1969), o crítico enfocou a relação entre produção artística e ideologia no Brasil, tachando de alienados os artistas que não discutiam a política abertamente. Posição que mais tarde admitiu equivocada, como deixa claro em Experiência neoconcreta.

Durante quatro décadas, a teoria formulada por Gullar sobreviveu como fundamental para a pesquisa artística, a despeito das posteriores idéias defendidas por ele. No livro, Gullar ainda afirma que a produção de Oiticica e Clark “ultrapassou as fronteiras da arte” e tornou-se outra coisa pela ênfase no sensorial, mas admite a importância das descobertas deles e de suas próprias. Faz as pazes com um passado visionário, o qual ele mesmo custou a compreender plenamente. Trata-se certamente de um gesto de maturidade, inestimável como depoimento para a história da arte recente no Brasil.

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Bianca Tinoco é jornalista e pesquisadora de arte.

Jornal do Brasi, Idéia, 26 jan. 2008



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Ferreira Gullar nega a arte contemporânea.

Incrível a forma tosca, ignorante e grosseira que Gullar adota para referir-se à arte contemporânea, indo de Arthur Bispo do Rosário a Cildo Meirelles, passando por Hélio Oiticica, para ele (Gullar) nada presta, nada tem sentido.


JCL


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Ferreira Gullar depreciando Hélio Oiticica em entrevista ao Jornal de Brasília:


J.B. - Mas você faria esta mesma avaliação do trabalho de Hélio Oiticica?
Gullar - O último trabalho que vi do Hélio era uma instalação no Hotel Meridien. Era um espaço com água e pedrinhas. Você tinha de retirar o sapato para sentir a água e as pedra. Olha só aonde leva este cerebralismo: a idéia de recriar a natureza dentro de um hotel. Francamente, se é para sentir a natureza acho melhor ir para Mauá. E, ao invés de colocar as implicações deste tipo de atitude, a crítica fica louvando. Quem criticar isto é careta ou reacionário. Outro dia eu tive uma discussão com uma amiga minha e ela citou Andy Warhol que dizia que uma atitude podia ser uma obra de arte. Mas quem é Andy Warhol? É o papa? É deus? Ele era um artista interessante que se rendeu ao comercialismo. Como teórico para mim era um babaca.


Continue lendo http://josecarloslima73.blogspot.com/2009/06/gullar-ataca-artistas-contemporaneos.html



Anônimo disse...

quiridão,

gullar também lia merleau-ponty e ajudou a escrever o manifesto neoconcreto. não fale do que não sabe. nem dicionario fala sobre arte de forma tão rasa quanto seu comentário.
abraço,
9 de Junho de 2009 00:52

JOSE CARLOS LIMA disse...

Resposta ao Anônimo:

Mantenho minha afirmação.
Ferreira Gullar não só negou o neoconcretismo, como passou a confrontar o artistas que o citavam.

Para que se informes melhor, sugiro que leias o livro Ferreira Gullar. Experiência neoconcreta: momento-limite da arte. Ed. Cosac Naif, 2007.

Outro ótimo texto que confirmam minha afirmação sobre Ferreira Gullar foi escrito pela jornalista e pesquisadora de arte Cristina Bianco:

“(...) Em “O tempo e a obra”, Gullar deparou-se com a idéia que o afastou do grupo carioca: a de que “a própria noção de arte deveria ser abolida, já que o não-objeto não pretende inserir-se na cultura nem quer permanecer, durar: o que dele restará será apenas a casca material já que, enquanto significação, será absorvido na elaboração e reelaboração incessante de nossas experiências sensíveis”.

O crítico deu-se conta de que destampava a caixa de Pandora: na poesia, sua perspectiva era de abandono da própria palavra. Tais idéias, pressentia, levariam à destruição da arte.

Assustado, Gullar abandonou os neoconcretos: primeiro timidamente, em 1961, quando dirigiu a Fundação Cultural, em Brasília, a convite do então presidente Jânio Quadros; depois assumidamente, em 1962, quando passou a presidir o Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes. (...)"

Este texto é ótimo. Leia-o na íntegra, segue link:

http://www.acessa.com/gramsci/?page=visualizar&id=859
10 de Junho de 2009 06:59
Anônimo disse...

pois bem, a critica dele refere-se ao desenvolvimento do neoconcretismo e uma (invevitável) transição para a "arte contemporânea", posição esta que não necessariamente o realinha ao dogmatismo concretista.
10 de Junho de 2009 08:43
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JOSE CARLOS LIMA disse...
Este assunto pintou por aqui por conta da oposição de Gullar contra a luta antimanicomial, que consiste em trocar a velha forma de ver e tratar os portadores de transtornos mentais por um modelo mais humanos para os pacientes.

Na verdade Gullar é um inovador mas até certo ponto. Quando há um aprofundamento, o que ele chama de radicalização, ele cai fora. Talvez por isso ele oponha-se de forma tão ferrenha aos princípios da anti-psiquiatria (rompimento com a psiquiatria tradicional).

Gullar tem repetido este comportamento também no campo da estética.

Senão vejamos:

Ele(Gullar) foi peça fundamental nos movimentos concretos e neoconcreto. No entanto, quando o concretismo radicalizou, ou seja, quando se buscou uma poesia ainda mais matemática ou matematicamente sensível, Gullar caiu fora.

Mais uma vez, quando o neoconcretismo radicalizou, se aproximando disto que hoje chamamos de arte contemporânea, mais uma vez Gullar caiu fora.

Reconheço o valor de Gullar para a arte brasileira.

O que ocorre é que o mundo gira, as coisas andam, se aprofundam, enquanto ele (Gullar), parece ter como prática dar o ponta-pé inicial no sentido do avanço para, logo em seguida, parar.

Na verdade eu quis dizer que Gullar ainda vive sob os parâmetros do movimento concretista embora tenha rompido com este movimento do qual participou.

Reconheço que meu comentário foi bastante truncado, relendo-o vejo isso, desculpe-me se em algum momento fui ríspido. Abs,

José Carlos Lima (11/06/2009 - 08:31)
Opa opa, o que eu quis dizer é que Gullar apesar de ter rompido com o movimento concreto ainda vive sob os parâmetros do concretismo, não avançando, parando no tempo, embora tenha dado o ponta-pé inicial. Segue link de texto no meu blog, espero que fique claro o meu ponto de vista.

http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/a-internacao-psiquiatrica-necessaria-nao-e-crime/
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Anônimo disse... ok, agora ficou claro

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