Por Luis Nassif
De repente, sem que procurasse, um petardo caiu na cobertura da mídia. Um italiano branco, casado com uma pernambucana negra e apaixonado pela filha mestiça de oito anos, é vítima de racismo. Dois deformados morais não conseguem aceitar que um branco estrangeiro possa ter amor paterno por uma filha negra de oito anos.
O italiano é preso, acusado de pedofilia, em um episódio de repercussão internacional. Nenhum funcionário do hotel, nenhum hóspede confirmou a versão dos dois deformados morais. O italiano é colocado em condicional e faz um apelo para a imprensa do seu país não descontar a agressão na comunidade brasileira – à qual pertence sua mulher e sua filha.
Ter-se-ia, aí, um episódio exemplar a ser explorado. A falta de preconceitos do italiano – vindo de uma cultura historicamente racista (que o digam nossos antepassados italianos) -, o amor por uma negra que atravessou o Atlântico. A maneira nobre com que a esposa reagiu ao racismo dos delatores. Mas como poderia uma negra ser uma esposa exemplar de um branco estrangeiro, constituir uma família padrão com um italiano, tendo ambos gerado uma negrinha? Esse, o rebotalho ético que permeou as acusações e a proteção geral da mídia contra os deformados morais delatores.
Poderiam ter sido entrevistados os vizinhos da moça no Recife, correspondentes poderiam ter ido à cidade da família, na Itália, para reconstituir uma história exemplar de como, nesses tempos de intolerância, uma família representativa de um dos pilares da civilização – a convivência igual entre culturas e cores diferentes – foi alvejada pelo preconceito.
Essa a bomba que caiu sobre a mídia.
Em outros tempos, em um país menos tolerante com os preconceitos, renderia belíssimas matérias em que o ângulo principal seria o amor de um italiano branco por uma pernambucana negra e sua paixão pela filha mestiça, um episódio que engrandece, que junta continentes, que permite ver a humanidade como algo único, sem as divisões entre países, partidos e cores. Entrevistariam a esposa, que relataria cenas familiares, a relação do marido com a filha, descreveria uma casa normal, um pai babão.
Mas seria intolerável.
Nesses tempos de lambança moral, de escatologia, em que o único ângulo de cobertura é o esgoto, o podre, o preconceito, o elitismo provinciano, o caso do italiano poderia inspirar movimentos insuportáveis em favor da tolerância, da convivência pacífica.
Sendo assim, encerre-se o episódio. Evitem-se ataques aos dois deformados morais, porque seus rostos poderiam estar refletidos no fundo do espelho.
Fonte: http://colunistas.ig.com.br/luisnassif/2009/09/14/a-visao-insuportavel-da-tolerancia/
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