Me lembro do mote das Jornadas de 2013, quando o Partido Regressista, da Era Colonial Escravista, saiu das catacumbas: "Quero meu pais de volta"
Pois é, eis ai o "seu pais" de volta...
Sem Lula, o Brasil sé esse, por Gustavo Conde*
Chega a ser engraçado observar os movimentos do governo e da mídia em meio à greve interminável e seus desdobramentos igualmente intermináveis. O Brasil não será mais o mesmo depois dessa greve, nem que queira.
O Brasil não será mais o mesmo nem a imprensa será mais a mesma. A imprensa teve o seu momento de auto flagelo e de auto ridicularização. Não fossem as mídias alternativas, o Brasil estaria nadando em desinformação generalizada – como, aliás, sempre nadou.
A débâcle da imprensa começou com a divulgação dos arquivos da CIA sobre Geisel. A informação demoliu a produção historialista do glorioso colunista Elio Gaspari, com seus seis volumes de ‘Fake History’. Locado no jornal Folha de S. Paulo e n’O Globo, Gaspari não conseguiu se explicar nem se safar do mico de ter feito um ‘fichamento’ em seis volumes de péssima qualidade factual e historiográfica. Vai para a lixeira do pensamento, junto com os livros do Fernando Henrique Cardoso.
Anunciava-se ali, com essa revelação sobre os governos golpistas Geisel e Figueiredo, a coleção de maus momentos que a imprensa familiar brasileira iria viver com intensidade dramática. A Ditabranda da Folha ressuscitou como o pressuposto mais fajuto jamais publicado em nenhum jornal avacalhado do mundo, por mais vendido que fosse. Feio.
A Dona Folha, aliás e em tempo, foi esculhambada pela sua competente ombudsman nesse último domingo. Paula Cesarino Costa afirmou que a imprensa foi “atropelada pela greve dos caminhoneiros”, com destaque especial para o veículo que a emprega.
Os erros de jornalismo básico foram, são e continuam sendo tantos, que o sentimento deste missivista nem é de deboche – embora pareça – ou de prescrição técnica: é de tristeza. Porque a imprensa no grau zero da credibilidade prejudica a democracia e atrasa todo e qualquer processo de desenlace político, de que tanto o Brasil precisa neste momento.
O jornalismo brasileiro virou um jornalismo de fofoca, de bastidor. Não se apura mais nada, tampouco se constroem pautas dignas para que se descubra algum tipo de realidade factual. Jornalismo é técnica e a técnica se perdeu.
Surpreendentemente, os jornalistas trabalhadores, aqueles que ganham menos e correm atrás da notícia, têm ao menos tentado fazer um trabalho digno. Fotógrafos, repórteres e freelancers se sobressaem na tarefa de redigir e captar informações relevantes e minimamente factuais.
Mas quando esse material chega nas editorias e passa pelo crivo do editor-chefe-censor, tudo se obscurece. A manchete mata a matéria e o trabalho do repórter é jogado no lixo. É a velha história: “podemos tirar se achar melhor”.
Nesse breu de desinformação, a greve dos caminhoneiros pôde prosperar com uma desenvoltura fantástica. Porque o próprio governo, sócio e bebedor da fonte de informação de péssima qualidade da imprensa, caiu em confusão generalizada. Em outras palavras: o jornalismo avacalhado brasileiro prejudicou até o seu financiador mais fiel, o governo Temer, ao se negar a prospectar informações factuais concernentes à greve e a editá-las com a mínima dignidade profissional.
Para vocês terem uma ideia, a imprensa chegou atrasada em todos os momentos críticos da greve. As mídias alternativas já chamaram a greve de locaute na segunda-feira, dia 21 de maio. A imprensa levou 48 horas para entender isso. Quando entendeu, já nem era mais locaute, era um movimento difuso e sem liderança clara.
O governo, por sua vez, foi aceitar que era um locaute só na sexta-feira, dia 25 de maio, quando até a imprensa já havia também abandonado essa tese (para retomá-la depois, aos espasmos do delírio do ‘salve-se quem puder’).
Um desastre completo, substanciado e generalizado. Todos os dois sócios, no entanto, imprensa e governo, tiveram que experimentar a humilhação de se informarem, aos 45 minutos do segundo tempo, pela blogosfera. Foi a blogosfera que pautou a greve com a mínima factualidade e serviu – inclusive aos jornalistas quebra-queixo da imprensa familiar – de substrato para reportagens.
Eles poderiam, ao menos, agradecer. Fato é que essa greve propiciou – e está propiciando – um espetáculo de submersão e derretimento não só do governo, mas também da imprensa que, certamente, ressuscitará com uma fênix, como reza a organização corporativa que rege as democracias por aí. Traduzindo: a imprensa se reinventa, don’t worry.
O show de horrores, no entanto, foi interessante. Só para efeito de constatação pragmática: Folha, Estadão e O Globo anunciaram umas vinte vezes o final da greve na semana passada. Uma vergonha monumental.
Para piorar, nesta semana, do alto da extrema vergonha, eles se recusaram a noticiar o fim da greve que o governo anunciava sem pudor, a todo momento. Aprenderam? Claro que não! Colocaram em prática o senso de ridículo.
O país, portanto e depois dessa greve, jamais será o mesmo. O ano eleitoral lateja nos interstícios da história. Vai varrer meio mundo como uma tsunami social que ganhou densidade na mesma proporção em que um péssimo jornalismo foi sendo praticado e em que uma população foi sendo ludibriada. A resposta está a caminho.
Tudo foi – e está sendo – muito bufo e deprimente. O espetáculo da desinformação e da incompetência não deixa de ser um espetáculo. A gente assiste como quem assiste a uma ópera. É só abstrair do colapso social que vai se intensificando.
Aliás, é digno de nota: o Brasil vive um processo agônico das descontinuidades. É pura crise de semiótica: os elementos disruptivos não são mais disruptivos: eles duram. O golpe dura (e, portanto, não é mais um golpe – é algo pior, ainda sem palavra correlata). As fakenews da imprensa e do governo duram. O estado de horror dura. O medo dura. Talvez, seja a reencarnação significante da dita... Dura. Tudo dura, nada se resolve. Tudo se agoniza e não se encerra.
Sem dúvida, a gente vive o momento social mais complexo e truncado da história do Brasil – quiçá, do mundo. Não é pouca coisa ter uma elite dessas e uma imprensa dessas, juntas. É dose para elefante.
A blogosfera, no entanto, salva. Na blogosfera tem análise sem rabinho preso. Tem diversidade. Tem polifonia. Tem interpretação real e coletiva, não esse biscoitinho podre da imprensa homogeneizante e totalitária.
De sorte que todo esse processo degradante (e ao mesmo tempo libertador, porque vai nos levar a algum lugar que não esse), foi desencadeado por um único e exclusivo fato: a prisão de Lula.
O que provoca esse volume de desencontros e confusões políticas e sociais é o sequestro do mais importante ator político de nossa história. Que não se iluda: é porque Lula está preso e incomunicável que o Brasil entrou em colapso social generalizado – não é por causa do Pedro Parente, que está na Petrobrás há dois anos.
O povo brasileiro, inclusive, dá essa chave de interpretação a todo momento. Ele coloca Lula na vitória acachapante de primeiro turno com sobra em todas as pesquisas. É uma humilhação para o golpe e para a imprensa, sem dó.
Esse dado encurrala a imprensa e o governo. Eles hesitam em produzir enunciados, uma vez que o grande manancial de enunciados políticos com credibilidade está trancafiado em uma prisão política e arbitrária.
Lula, essa inteligência desproporcional, está completamente blindado deste caos social e, mais que isso: ele é a razão pela qual este caos foi produzido. Sem Lula, o Brasil é isso. Sem Lula, o Brasil é esse.
A ausência de Lula para servir de referência política confunde até a direita e a imprensa. É técnico. Trata-se das leis do discurso: como Lula não está mais presente na rotina diária do processo político, a energia gasta com o ódio dirigido a ele foi para outro lugar.
Em suma, o ódio residual dirigido a Lula foi redirecionado para o governo, para a imprensa, para Temer e para Pedro Parente, com sua energia potencializada e aumentada em muitos níveis. Lula desorganizou a cena política e propiciou, através de sua ausência, o caos político. Ele sabia disso e é por isso que tomou a decisão de “se entregar”. Quando “se entregou”, portanto, Lula estava sendo estratégico, de posse plena de sua incomensurável inteligência política.
Resta-nos observar os acontecimentos e se preparar para a grande batalha final, que será, como sempre, Lula versus Rede Globo.
Este escriba deseja boa sorte a todos.
Gustavo Conde é linguista, colunista do 247 e apresentador do Programa Pocket Show da Resistência Democrática pela TV 247.
https://www.brasil247.com/pt/colunistas/gustavoconde/356782/Sem-Lula-o-Brasil-%C3%A9-esse.htm
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