01/11/2008

Trivial da casa da minha infância (clique aqui)

acerca da palavra trivial...
não há nada melhor do que as coisas trivais,
falar de coisas aparentemente sem sentido,
as trivialidades só são possíveis onde reina a liberdade, a espontaneidade,
em meio a pessoas das quais gostamos.
falar de casas, brinquedos
estas coisas trivais
este é o caminho para um novo mundo.
ou para o retorno a ele.

acerca da minha casa de infância...
do nascimento até a idade de 10 ou 12 anos eu morava na área rural.
é desta casa que guardo boas lembranças,
ela não existe mais.
quando mudamos para a cidade o tempo derrubou a casa.
naquela época é como se eu morasse numa grande mansão coberta de palha.
espaços enormes,
umbus e um grande plantação de limas bem próximo.
vizinho por perto somente uma família, um tio, mas meu pai não permitia andanças pelas casas alheias,
mas nem precisa, meu espaço já era uma imensidão.
depois de adulto, quando voltei lá, levei um choque ao perceber que na verdade tudo era tão minúsculo,
eu morava num casebre, mas na minha imaginação, era um espaço do tamanho do mundo
.
***
foi ali, morando naquela "mansão" de palha, meu enorme mundo, meu mundo, que vivi os melhores dias da minha vida, lembranças que trago até hoje

era anoitecer e estávamos retornando ao lar após o banho no ricaho,
na estrada nós deparamos, pela primeira vez, com pessoas que não eram as da região,
pessoas que eu nunca havia visto,

a nossa reação foi de medo
quando deparamos com aquelas pessoas com suas roupas de couro (hoje sei que era Jeans) nós nos refugiamos no mato.
ficamos ali, atrás das árvores, escondidos, protegidos,
observando, de longe, aquela estranha movimentação de pessoas de outro mundo que não conheciamos.
elas traziam apetrechos que nunca havíamos visto, as imagens das moringas d´agua amarradas na cintura guardo até hoje na minha mente.

depois descobrimos que aquela gente havia acampado sob uma frondosa árvore às margens do riacho, no porto onde tomávamos banho.
com medo, ficamos vários dias sem tomar banho.

um belo dia resolvemos nos aproximar mas nem tomamos banho,
lavamos os pés e retornamos.
até hoje me recordo que os intrusos fizeram comentários a nosso respeito,

depois que eles foram embora fomos verificar o que eles haviam deixado sob a frondosa árvore.

eles deixaram umas umas latas sobre as quais estavam estampadas imagens de ervilha, milho, peixes.

ficamos encantados com as imagens.

foi assim que se deu o meu primeiro contato com a civilização.
.

***
tenho muitas lembranças da infância, algumas vieram-me à mente nesta manhã, como esta lembrança de morte

meu pai praticava a agricultura para o sustento da família.
ele criava umas vaquinhas e de vez em quando matava uma para o complemento nutricional.
o animal era retirado do rebanho e levado para o matadouro.
dia de festa,

o mais triste desta história era quando, no sétimo dia, o restante do rebanho dirigia-se ao local onde a vaca havia sido abatida.
todos em pranto.

depois que o animal era abatido eu contava nos dedos.
no sétimo dia, quando o sol mal começava a raiar, de longe ouvia-se o pranto coletivo dos animais.
nem gente era capaz de sentimento tão forte.

multidão de bichos em pranto.
eles passavam em procissão
no local onde a vaca tinha sido morta o rebanho ficava a furar o chão com suas patas
o choro ficava ainda mais alto.
intensa movimentação.
triste ritual este do sétimo dia da morte de um animal.

tenho guardado na minha mente muitas histórias como esta, todas vividas na pele.

outras histórias em palavras e imagens:
os tropeiros,
a festa do divino,
o santo reis,
as velhas rezando em latim uma cantiga incompreensível,
a mãe preta( a parteira),
o prazer que tive ao fiar o algodão e entregar os fios para a Mãe Preta tecer o meu próprio cobertor,

ah, são tantas histórias
.

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