Amulatado, estatura meã; magro e semi-corcunda; barba e nuca ordinariamente raspados e sempre que é possível perfumados; na perna esquerda encravada uma bala, com que o alvejou o sargento "Quelé", da polícia parahybana; o olho direito branco e cego, escondido pelos óculos pardacentos, de aros dourados; mãos compridas que se assemelham a garras; os dedos cheios de anéis de brilhantes falsos e verdadeiros; ao pescoço, vasto e vistoso de cor berrante, preso ao lado por valioso anel de doutor em direito; sobre o peito, medalhas do padre Cícero, escapulários e saquinhos de "rezas fortes", chapéu de cangaceiro, tipicamente adornado de correias e metal branco; ensimesmado toda vez que defronta uma turma de curiosos; folgazão quando entre poucos estranhos ou no meio de comparsas; não se esquecendo de um guarda costa à direita sempre que desconhecidos o rodeiam; paletó de camisa de riscado, claro, calças de brim escuro; alpercatas reluzentes de ilhozes amarelos; a tira-colo, 2 pesados embornaes de balas e bugingangas, protegidos por uma coberta e chales finos; tórax guarnecido por 3 cartucheiras; ágil como um felino mas aparentando constante estropiamento e exaustão; às mãos um fuzil; à cintura duas pistolas "parabellum" e um punhal de 78 centímetros de lâmina. (In: Araújo, 1982, p. 76)
Por trás de sua face bárbara, o cangaceiro Lampião escondia um sensível dândi, devotado às questões estéticas e culturais de seu tempo (início do século) e espaço (agreste nordestino).
A estética do cangaço
“Em 1938, reportagem da revista norte-americana “Time Life” apontava Maria Bonita como uma mulher da moda”.
Lampião também se interessava por cinema. Em Capela (PE), assistiu a cerca de dez filmes. Gostava da série norte-americana de aventura “Os perigos de Minhoca”. Também apreciava as histórias de amor. Mas, se o casal se separava, saía antes do fim.
” Lampião tinha um lado feminino muito acentuado. Mas não se deve cair na armadilha de dizer que ele era gay”, afirma Lins, autor de uma tese de doutorado sobre Lampião, defendida na Universidade de Sorbonne (França) e está sendo traduzida para o português.
“Quando ele estava calmo, era um doce de mel, mas depois virava uma cobra.” Para Lins, o cangaceiro era mais liberal que o sertanejo, porque permitia o chamego entre pessoas do mesmo sexo e a mancebia” (concubinato).
Segundo ele, há registros de que Lampião recebia cafuné do cangaceiro Cascavel, mas nada além disso. Essas ocorrências teriam desaparecido com a chegada de mulheres ao bando, em 1929. Lins diz que era branda a discriminação contra supostos homossexuais. “Os efeminados apenas se tornavam cozinheiros e eram obrigados a casar com as mulheres feias.”
Frederico Pernambucano de Melo, autor de “Quem Foi Lampião” e um dos maiores colecionadores e historiadores do cangaço, vê o movimento como um precursor do feminismo no Brasil.
“Pela primeira vez na história, as mulheres dividiam as tarefas com os homens igualitariamente. E o comprimento da saia subiu para cima do joelho”, diz. Segundo ele, os acampamentos de cangaceiros se aproximavam das antigas cortes asiáticas, por sua opulência e moral sexual mais permissiva.
Cangaço exportação:
Daniel Lins aponta uma espécie de “boom” do cangaço no exterior. De acordo com suas contas, foram produzidas recentemente dez teses na Europa (três só na Sorbonne) e seis nos EUA relacionadas ao tema, em sua maioria realizadas por estrangeiros.
Há menos de um mês, terminou em Aix-la-Chapelle (França) uma exposição sobre o cangaço promovida por uma instituição governamental da Suíça.
Segundo Lins, vários fatores explicam esse interesse. Em primeiro lugar, o cinema, com “0 Cangaceiro” (l953), de Lima Barreto, e “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (l964), de Glauber Rocha. Depois, a literatura, com as obras de Graciliano Ramos.
Contribui também o caráter exótico e político do cangaceiro (que, pela ótica esquerdista, seria um revolucionário). “Lampião continua como uma máquina de sonho. E, além disso, a idéia do herói efêmero (morreu aos 41 anos, de forma violenta) o traz para a pós-modernidade, concluiu Lins.
Tendências lançadas ou adotadas por Lampião e seu bando
1 Chapéu – inspirado no modelo francês adotado pelo imperador Napoleão Bonaparte, de quem
Lampião leu a biografia.
2 Lenços – de tafetá francês ou seda pura inglesa; geralmente estampados e coloridos, quebravam a monotonia do tom ocre da roupa.
3 Brincos – ao contrário de outros sertanejos, os cangaceiros usavam brincos e outras jóias.
4 Casaco – desenhado e costurado em algodão ou couro por Lampião, que carregava uma máquina de costura Singer para todos os seus acampamentos; tem também inspirações medievais.
5 Perfume – os cangaceiros costumavam ser reconhecidos pelo cheiro excessivo de perfume, inclusive pelas volantes; Lampião preferia o “Fleur d’Amour”, considerado um dos melhores perfumes franceses entre os anos 20 e 40.
6 Calça – o modelo mais usado era com culote e cintura bem alta; usavam até três no inverno devido ao frio à noite.
7 Cabelo – longo. Lampião deixou de cortar os cabelos como promessa, após a morte do irmão, sendo seguido pelos outros cangaceiros; s vezes, eles penduravam anéis no cabelo, depois de lotados todos os dedos das mãos.
8 Arma – como outros adereços, era cravejada de moedas de ouro, influência da marchetaria árabe no sertão nordestino; segundo o historiador Gilberto Freyre, os árabes são uma “eminência parda” na cultura nordestina.
9 Alpargatas – enfeitadas com desenhos costurados; tinham uma lingueta para proteger os dedos
10 Saia – sempre acima do joelho, desrespeitando a convenção da saia rendada até o tornozelo.
11 Anéis – mulheres e homens usavam até três anéis por dedo.
12 Alpargatas – desenhadas e confeccionadas em couro por Dadá, mulher de Corisco, estilista do grupo.
13 Colares – também usados em abundância.
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Com a coluna se aproximando do Ceará, Floro Bartolomeu, deputado federal do Estado, recruta uma força de defesa, os Batalhões Patrióticos, e vai com ela para Campos Sales (CE). Prepara uma carta convocando Lampião e a manda para o Padre Cícero endossar. Um mensageiro vai atrás de Lampião. Enquanto isso, Bartolomeu, adoentado, segue para o Rio.
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Rastros
Apelidos
Em 1921, ele formou seu próprio grupo. No começo, matava os poderosos e distribuía o dinheiro dos saques aos pobres. Aos poucos, porém, abandonou essa prática e fez conluios com coronéis. Em 1927, o padre Cícero convocou o bando de Lampião para lutar contra o movimento comandado por Luís Carlos Prestes – a favor da democracia e contra o governo Vargas – em troca da anistia a seus crimes.
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Bem antes de morrer, Lampião já inspirava poemas, músicas e livros. (...) Em geral, ele era tratado como herói, um nobre salteador, que tomava dos ricos para dar aos pobres. Em 1931, o mais importante jornal americano, The New YorkTimes, divulgou essa versão caridosa do criminoso.
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Este vídeo registra o encontro de Lampião com o fotógrafo e cineasta libanês Benjamin Abraão, autor das únicas imagens do cangaceiro. Benjamin conviveu por 6 meses com o bando de Lampião. Neste vídeo fica visível também a relação de Lampião com a imprensa, a preocupação com a forma como a imprensa da época o descrevia, bem como a percepção, por parte do narrador, que Lampião seria outro se tivesse ido oportunidades, ou seja, se tivesse nascido noutro país.
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Lampião ou Virgulino Ferreira da Silva foi mais uma vitima da má distribuição de renda e das injustiças cometidas no sertão nordestino brasileiro. Ainda, muito cedo convive com os desmandos dos coronéis que tinham o habito de confiscarem as terras alheias.
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Lampião tornou-se um mito para muitos sertanejos, para quem o cangaço representava uma alternativa de ascensão social, o personagem criado em cima de suapessoa está ligado aos interesses dos poderosos que temiam pela reforma agrária e pela distribuição de seus bens aos pobres de riqueza e de espírito.
FONTE: http://www.lampiao.sertaonet.com.br/
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