06/12/2009

Caso Mário Bortolotto: artistas reclamam da Folha

O texto que segue abaixo foi escrito antes do dramaturgo Mário Bortolotto ser baleado. Por isso se tornou um aviso prévio sobre o que iria acontecer. Percebe-se no texto a forma como a Folha trata os artistas e como se faz jornalismo neste pais. Jornalismo? Desde quando este manual de redação da Folha pode produzir jornalismo de verdade?

A matéria da Folha do domingo passado sugere uma série de temas interessantes

Por Rodolfo García Vázquez

O repórter me procurou com uma tese já clara na sua cabeça: "A Praça já não é mais do teatro, mas da balada." Ele mesmo me disse isso no início da entrevista. Achei estranho o tema, pois não havia uma confirmação estatística, era apenas uma sensação, uma percepção do jornalista de que a praça não era mais de gente do teatro. Outras pessoas também tem a mesma sensação! - ele argumentou. Com certeza a pauta já estava aprovada e ela deveria ser feita. Independente das minhas declarações ou de qualquer outra pessoa. Independente dos fatos que nós pudéssemos elencar. Independente de outras verdades que pudessem surgir. O jornalismo já tinha a sua verdade, aprovada em reunião de pauta, e estávamos ali para exercer o livre direito de falar o que eles queriam ouvir.

Na entrevista, as perguntas eram elaboradas com essa finalidade. Os argumentos, os outros lados dessa história, nada interessava. O fato, segundo os olhos do jornalista, era incontestável, a pauta já estava definida e ele apenas recolheria frases minhas que corroborassem a sua tese. A isso, o bom jornalismo chama de "editar". A entrevista já estava pronta e ele só precisava de algumas escorregadelas minhas para poder usá-las na ratificação da sua verdade.

Depois, a matéria propriamente dita. Ele entrevistou outras pessoas da Praça que também escorregaram (algumas até pode ser que pensassem aquilo mesmo, mas com certeza alguns caíram no engano) e corroboraram a sua verdade. Não interessava a ele valorizar opinões discordantes, e que não eram poucas. A verdade programada foi escrita como havia sido planejado! Viva a verdade! A edição de domingo já pode ir para as bancas e todos podemos dormir tranquilos. A pauta foi cumprida!

E surgiu o preconceito claro e explícito, digno de outros jornalismos que temos por esse país afora. "Botequeiros" foi a palavra usada. Que palavra é essa? O que ela implica? Que tipo de matéria de capa de um jornal de cultura vai dar um destaque desses a uma matéria sobre "botequeiros"?

Os velhos preconceitos seculares voltam, sob um novo manto. Aqueles preconceitos que surgiram na Idade Média e nunca mais abandonaram o teatro ocidental. Aqueles que levaram a enterrar Molière longe do solo sagrado de um cemitério. Ou que obrigavam, não faz muito tempo, as atrizes brasileiras a usarem a carteira de identidade vermelha, aquela que identificava as putas. Os preconceitos usam de novas carcaças e surgem sob novas disfarces.

Antigamente, os atores eram bichas e as atrizes eram putas. Agora, os frequentadores da Roosevelt (atores ou público, tanto faz) são botequeiros.

Nunca, na Folha de São Paulo, se disse que na Vila Madalena existiam botequeiros!!! Nunca!!! Lá, na cool Vila Madalena, bairro onde moram muitos jornalistas endinheirados inclusive, as pessoas (entre os quais esses jornalistas) são chamados de "frequentadoras dos bares da Vila Madalena". Isso ocorre em qualquer caderno da Folha de São Paulo, no Cidades, no caderno especial de Bares, nas matérias da Revista da Folha. Por que então justamente os frequentadores da Roosevelt são botequeiros? Por que não são tão ricos e chics? Por que não frequentaram o Colégio Santa Cruz? Por que não costumam passar férias na Europa? Por que usar de outro nome se não for para depreciar as pessoas que frequentam a Praça e dar um toque levemente escandaloso à verdade que eles decidiram divulgar? Se isso não se chama preconceito, não sei o que poderia ser.

E finalmente, uma reação estranhamente poderosa. A reação das pessoas da Roosevelt. Eles formam uma comunidade, de verdade. Todos torcem pela Praça e tem orgulho das matérias que saem sobre ela. E eu tenho orgulho de dizer que as matérias que saem sobre a Praça não são só do teatro, mas de toda uma comunidade. É isso que faz deste fenômeno algo tão especial e maravilhoso. Somos muitos e diversos, múltiplos em suas experiências de vida e expectativas.

Mas essa matéria provocou um outro tipo de reação nesta comunidade. Hoje, numa mesa do La Barca, vi uma cena de conspiração, algumas pessoas sentadas falando baixinho quando eu me aproximei. Eles reliam a matéria e discutiam com a Isabel, garçonete do La Barca, o que havia saído na imprensa. Estavam ali o Chagas, ator; a Angela, artista plástica; a Suzana, síndica do prédio e revendedora da Avon e a garçonete sensação, Isabel, a balzaca mais fogosa da praça.

A indignação deles tinha um quê de patética graça, como se fossem um pequeno exército de Brancaleone tentando afrontar o maior dos dragões. Eles não se conformavam com a classificação de "Vila Madalena de segunda".

Ninguém por aqui mudou, nem a Isabel, nem a síndica, nem o Chagas, nem a artista plástica Angela...todos continuamos a fazer o mesmo que andamos fazendo nestes últimos anos: queremos nos divertir, fazer teatro, criar espaços maiores para a comunidade dos artistas e dos loucos. E se somos chamados de botequeiros, nós e aqueles que se aproximam de nós, isso não nos impede de seguir adiante.

Mas parece que o que fazemos incomoda muita gente. Porisso a matéria da Folha também é conveniente para aqueles que querem desmerecer a nossa arte e nossos objetivos. Aqueles que acreditam que o teatro só pode existir dentro de uma sala tradicional, com ingressos tradicionais, e depois do espetáculo de duração justa, que cada um volte para sua casa, sozinho e anônimo. Os crentes do bom teatro desprezam um teatro como o nosso, que busca ardentemente o encontro, antes, durante e depois do espetáculo, como forma de sobrevivência estética e pessoal. Eles abominam tudo que possa acontecer fora dos noventa minutos combinados dentro de uma sala de espetáculo. Eles odeiam o nosso trabalho com todas as suas forças.

Porisso a frase revolucionária:

"Botequeiros do mundo, uni-vos!"

FONTE: olhossempreabertos
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Meu comentário

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