03/10/2016

A arte está se repetindo, por Adrian Notz, promotor do Spring Dadá, ocorrido em Goiânia

"Hoje a arte tem um grande problema: ela não está indo a lugar algum, está se repetindo" Alpendre Cultural | 30/09/2016

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Por Ana Paula Mota
O que é o DADASpring? Um aglomerado de ideias e de pessoas, interagindo em um cenário de comemorações pelos 100 anos do Dadaísmo. Um evento localizado geograficamente em espaços de Goiânia que encerra neste sábado, 01 de outubro. Se assim desejar, DADASpringBrasil é o seu mote de desconstrução estética, acontecendo o mais perto possível do seu mundo.
A capital de Goiás é a única cidade brasileira a integrar a agenda internacional do DADA 100th Anniversary, organizado por iniciativa da cidade de Zurique/Suíça. Produzido pela Balaio Produções Culturais e pelo Grupo EmpreZa, a programação ao longo dos últimos dias se dividiu entre manifestos, exposições, serões performáticos, saraus, conferências e debates, Tenda DadaOnTour, mostras de cinema, oficinas (de dança, literatura, voz, cinema) e apresentações artísticas.
O diretor cultural e curador do Cabaret Voltaire DADA Zurich, Adrian Notz, veio a Goiânia trazendo o DADAOnTour e deu uma entrevista para a Revista Cajá que você acompanha agora. Boa leitura.

 
“ARTE HOJE TEM UM GRANDE PROBLEMA: ELA NÃO ESTÁ INDO A LUGAR ALGUM, ESTÁ SE REPETINDO. ESTÁ ESTAGNADA ENQUANTO PENSAMENTO.”
REVISTA CAJÁ – QUAL FOI SUA PRIMEIRA IMPRESSÃO DO CABARET VOLTAIRE GOIÂNIA?
Adrian – Minha primeira impressão do Cabaret Voltaire Goiânia foi através do Grupo EmpreZa e  Babidu. Nós falamos sobre como o Cabaret foi criado em 2002 e, depois, voltou novamente em 2006. Para mim soou como algo mágico com muitas energias positivas. Quando vi o lugar ontem pela primeira vez… o lugar é bem melhor do que eu esperava. Há a casa, um bonito jardim, uma sacada, e até mesmo um lago. Até agora não vi o Grupo EmpreZa em atividade no Cabaret, mas é interessante por ser uma iniciativa próxima à UFG. Os estudantes e alguns professores frequentam o lugar.  O mais importante é como este é um dos poucos lugares no Brasil em que se fazem performances artísticas contemporâneas.

RC – COMO VOCÊ DESCOBRIU GOIÂNIA, E COMO A CIDADE ENTROU NA COMEMORAÇÃO DO ANIVERSÁRIO DE 100 ANOS DO DADA?
Adrian – Atrasado (risos). Obviamente está ligado ao Cabaret Voltaire Goiânia. É o motivo principal. Mas há também o grupo EmpreZa e Rafael Abdala, que já não é mais membro do grupo. O evento é principalmente sobre arte performática, que nasceu no Cabaret Voltaire, com o Dadá. Há também a Antropofagia, que descobri dois anos atrás, no Rio de Janeiro. Um assunto sobre o qual gostaria de saber mais. É fantástico este evento estar acontecendo na cidade de Goiânia e não no Rio de Janeiro ou São Paulo. É um lugar mais isolado, com muita energia, como os cristais no solo. É fantástico dizer que o centenário do dadaísmo será festejado em Goiânia e não no Rio. Lá, já tiveram as Olimpíadas. Já Goiânia, tem DADA, e não Olimpíadas (risos).

RC – EM QUE DIREÇÃO VOCÊ ACHA QUE CAMINHAM AS ARTES NO MUNDO?
Adrian – Arte hoje tem um grande problema: ela não está indo a lugar algum, está se repetindo. Está estagnada enquanto pensamento. Por um lado, há um pensamento pós-moderno que horizontaliza e faz conexões. Do outro, uma arte presa nas correntes de mercado, em um sistema econômico, que produz as mesmas coisas, porque vende bem. A arte também está muito ligada à ideia de educação e mediação. A arte é feita para bobos, pessoas vazias, o que reduz o nível, a qualidade da produção. Uma mediação errada, que não inspira as audiências. A arte é muito usada para ativismos políticos, propagandas. Há uma ideia de arte e pesquisa em que se tenta analisá-la cientificamente. Hoje a arte está perdida. Podemos usar o Dadá ou a ideia de Avant-Garde para criar uma nova arte, mais autônoma, resistente e autoconsciente, que não precise se conectar a um sistema, mas sim, se baste.

RC – UM MOVIMENTO COMO O DADA AINDA É POSSÍVEL SURGIR NOS DIAS ATUAIS?
Adrian – Não. Mas podemos ter esperança. O Dadá era formado por várias pessoas trabalhando para o mesmo objetivo. Hoje as pessoas são muito individualistas. Todos lutam pela sua própria coisa. As pessoas não trabalham mais em grupos. Por isso é difícil fazer algo como o Dadá nos dias de hoje. Toda essa ideia de movimentos Avant-Garde também é velha. Não se fala mais em movimentos. Não há um Grupo EmpreZa-ismo.

RC – DE QUE FORMA O DADAÍSMO AINDA SE APRESENTA NAS PRODUÇÕES ARTÍSTICAS DE HOJE?
Adrian – Você pode ver essa questão de duas formas. Na primeira delas, Dadá foi um movimento artístico que ocorreu de 1916 a 1923, que influenciou movimentos contemporâneos, como Suprematismo Russo ou Antropofagia, no Brasil. Há também movimentos herdeiros do Dadaísmo, como Punk, Situacionismo, Fluxus, Arte Performática e Ativismo. Então, podemos ver uma linha de herança do Dadá. Por outro lado, Dadá é mais que um movimento artístico. É uma atitude. É difícil encontrar artistas contemporâneos com esta atitude. Uma atitude de fim da dualidade, de quebrar, de criar arte nova. Claro, podemos olhar para artistas contemporâneos e ver a lexia do Dada neles. Por exemplo, Meise, que quer uma ditadura da arte. Ou o artista suíço Haishhorn, que se inspira em artistas dadaístas como Kurt e Dadá em Berlim, e toda esta ideia de arte-propaganda. Artistas contemporâneos, como Paul McCartney, que é fã do Hugo Ball. Arthur Craven, boxeador e poeta, e Marina Abramovic, se inspiram no Dada. Ativistas como Pussy Riot e Voina, da Rússia, também usam DADA como inspiração. Assim, não diria que há dadaístas hoje, mas há artistas que usam o Dadá como inspiração.

 RC – EM QUE MEDIDA O TRABALHO ARTÍSTICO NO BRASIL DIFERE DO EUROPEU? COMO E POR QUE ELES DIFEREM?
 Adrian – Não sei muito sobre arte performática brasileira, mas no Brasil há uma ideia de corpo, o trabalho com o corpo é ligado ao espiritual, é mais arcaico e íntimo do que na Europa. Na Europa, é sobre corpo, mas também é sobre pornografia. De certa forma, é como se na Europa fossem corpos zumbis. É esta a diferença. No Brasil, os corpos são cheios de vida. A performance no Brasil é Eros e a europeia é Porn.

RC – QUAL O PROPÓSITO DA TENDA DADA ON TOUR?
Adrian – Tivemos uma exposição no Cabaret Voltaire Zurique explicando o Dada em um vídeo de 27 minutos. Esta foi a base da tenda. Quando visitamos algum lugar, levamos um presente. A tenda é nosso presente. Para mim, a tenda é uma forma de começar uma conversa sobre o Dada e a cidade visitada, sua arte e cultura. A tenda é lugar de debate e encontros. A tenda é uma tenda de resgate. Por isso podemos montá-la em 3 minutos com a bomba apropriada. Estamos viajando o mundo à procura de inspiração e novos amigos do Dada.
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